domingo, 18 de outubro de 2015

O Drácula de Stoker

O romance de Bram Stoker marca a culminância de toda a produção literária sobre vampiros iniciada na Alemanha de 1748,com o poema "O vampiro", de Ossenfelder. Usando como base histórica um príncipe da Valáquia do séc. XVI chamado Vlad Dracula ( também conhecido com Vlad, o Empelador) e mesclando as convenções sobre vampiros literários criadas na Alemanha, França e Inglaterra com suas pesquisas a respeito do leste europeu, Stoker moldou um dos ícones da literatura universal.
 Mas Drácula é muito mais que uma obra de compilação e edição: inovou ao fixar vários elementos que depois se tornariam clichês desta literatura,como a instituição do uso do alho e de símbolos religiosos cristãos com os vampiros e a ausência de reflexo dessa criatura no espelho. Esses dois pontos,todavia,não explicariam a fascinação que o romance gótico de Bram Stoker vem exercendo ao longo de mais de um século,fazendo dele,segundo algumas fontes,uma das obras mais traduzidas em todo o mundo depois da Bíblia. Para se entender esse fenômeno é preciso ter em mente que poucas obras na história da literatura abordaram de forma tão contundente as grandes questões de seu zeitgeist quanto Drácula.
A leitura dessa obra como mais uma história de vampiros pode levar um leitor desavisado a perder de foco as inúmeras questões levantadas pelo romance. Uma delas é a questão dos gêneros. Em uma época quando os papéis sociais reservados às mulheres eram apenas os franqueados por meio do matrimônio e da maturidade e da maternidade, o ataque do conde vampiro às personagens Lucy Westenra e a Mina Murray se configura como uma ameaça ao status quo da rígida sociedade vitoriana visto que ao se transformarem em vampiras ,elas abandonam a sua condição futura de espoca e mãe e se transformam em mulheres sexualmente ativas,algo inconcebível para a moral da época. A beleza sensual expressa no cadáver vampírico de Lucy em oposição a sua débil condição física quando viva e a vampirização de crianças da região circundante ao seu túmulo são exemplos desta leitura. Contra esta situação os caçadores de vampiros se apresentam. É interessante notar como o grupo de caçadores representa as classes sociais não apenas da Inglaterra mas também do mundo ocidental no fim do séc. XIX que se articulam para destruir ameaças externas ao seu meio de vida. 
Assim temos um membro da aristocracia (Arthur Holmwood) e vários representantes da classe média, como um médico (John Seward), um contador (Jonathan Harker) e um cientista (Van Helsing). Destaque também para a presença do texano Quincy P. Morris, cuja função no romance além de indicar a força crescente dos Estados Unidos como uma das novas potências da época, era a de traçar a comparação dos ataques de Drácula com o vampiro morcego da América do Sul.
Outro aspecto discutido em Drácula é a questão da fronteira e da identidade. A  identificação da região Transilvânia, da Moldavia, e da Bucovina Transilvânia como um mundo primitivo e supersticioso pelos personagens ocidentais do livro remete ao comportamento da Inglaterra imperialista em relação a outros povos sob o seu julgo pelo mundo. Comportamento semelhante pode ser encontrado nos contos " A estranha orquídea"( "The strange orchid") (1894), de H.G. Wells e "O vampiro de Sussex" ("The Adventure of the Sussex Vampire") (1924),de Arthur Conan Doyle. No conto de Wells, o primeiro a introduzir o tema do vampirismo na ficção científica, a narrativa sobre uma planta do oriente com comportamento vampírico reflete a visão inglesa sobre o exotismo de outras regiões do mundo. Já na história de Doyle,na qual o famoso detetive fictício Sherlock Holmes investiga um caso envolvendo um vampiro, Holmes coloca a questão da existência da criatura vampírica como um produto de mentes supersticiosas. 
Nesta perspectiva pós-colonialista, da mesma forma que os habitantes das regiões dominadas pelo Império Britânico, Drácula é entendido como bestial e lascivo. A popularização (de modo equivocado, muitas vezes) das ideias de Charles Darwin em relação à evolução humana também pode ser aplicada em Drácula, no sentido de que a capacidade do vampiro de se transformar em diferentes criaturas simbolizava a sua involução humana e o predomínio da natureza primitiva, ligada ao animalesco.
Como o próprio Van Helsing explica no romance, a atração de Drácula por Londres não é mera coincidência, pois o clima decadentista fin-de-siécle da capital inglesa era um convite a seres como o conde. Neste sentido, Drácula explica metaficcionalmente a ascensão do romance gótico na era vitoriana com a novela O estranho caso de dr. Jeckyll e mr. Hyde (1886), do escocês Robert Louis Stevenson e o romance O retrato de Dorian Gray (1891), do irlandês Oscar Wilde.
Drácula se tornou sinônimo de história de vampiro já a partir do início do séc. XX. Toda a produção vampírica do século passado e deste início de século ainda dialoga com o romance de Bram Stoker,seja para prestar homenagem por meio de algum elemento narrativo ou personagem, seja para refutar suas convecções e propor novas leituras para o universo do vampiro literário.
Assombrada pelos horrores reais da Primeira Guerra Mundial, o vampiro literário das primeiras décadas do séc. XX passou a refletir o clima da alienação e pessimismo do período. Publicados sob esta atmosfera, os contos "Porque o sangue é vida" ("For the blood is the life") (1911), do romancista italo-americano Francis Marion Crawford e "Um episódio da história da catedral" ("An Episode of Cathedral History")(1919), do mestre britânico de fantasmas Montague Rhodes James mostram como o vampiro vem se adaptando para refletir a angústia das sociedades nas quais ele se insere.
Mas foi no cinema que o vampiro encontrou um novo território para suas aparições, tornando-se um ícone dos tempos modernos.

5 comentários:

  1. Seus textos são enteresantes .
    parabens..... !!!......

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  2. Ótima leitura, devo dizer.
    excelente qualidade.

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  3. Excelente! Parabéns pelo texto!
    Ótima leitura ^^

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  4. Parabéns! Exelente texto!
    Ótima leitura. ^^

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  5. Oii Gabi, adorei o texto. Gosto bastante de livros e filmes de vampiros, mas o que mais gostei (em termos de história) foi o Drácula de Stoker, que dá uma base boa de onde os vampiros surgiram.

    Abraços
    www.larydilua.com

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